Feliz aniversário, minha irmã

Daniel Cassol - Jornalista

Nada substitui o lucro, diz o primeiro mandamento da TAM, ainda publicado no site da empresa neste 31 de julho, quando Lina Barbosa Cassol, minha irmã, estaria completando 29 anos, se não tivesse sido morta na explosão do vôo 3054, há duas semanas.

No sábado anterior à tragédia, fui com ela a São Sepé, na casa dos nossos pais. Era a despedida da Lina, que em setembro viajaria com o noivo para os Estados Unidos, onde iniciaria sua pesquisa de doutorado sobre câncer de mama na Universidade de Michigan. Mesmo nova, ela já havia conquistado respeito como médica oncologista e a viagem para os EUA era mais um dos seus grandes feitos, com os quais já estávamos acostumados.

Desde cedo, foi assim. De concurso de redação na escolinha João XXIII a prêmios da Sociedade Americana de Oncologia Clínica. Quando passou em primeiro lugar na Medicina da UFSM, disse que um dia descobriria a cura do câncer. Talvez estivesse sonhando ou apenas brincando, mas, lá em casa, nunca ninguém duvidou.

Até onde ela chegaria, agora só podemos supor. Prestes a dar um grande passo na vida, Lina morreu, junto com outras 198 pessoas que também tinham grandes planos para o futuro, o que nos leva a perguntar: que prejuízos teve o Brasil com esta tragédia?

Palavras como grooving, manete e reverso vão sendo incorporadas ao nosso vocabulário, enquanto as verdadeiras causas disto que chamam "acidente" são omitidas, e a culpa, colocada em quem não pode mais se defender. Porque nada substitui o lucro, nos ensina a TAM, nem a verdade sobre uma tragédia anunciada e outras vezes já ocorrida.

Agora, a empresa nos responde com rapazotes engomados que dizem compreender nosso sofrimento. O governo demonstra mais uma vez sua absoluta falta de vontade em enfrentar os interesses econômicos. E outros políticos, igualmente responsáveis por esta tragédia, porque criadores de um sistema falho e submisso aos interesses empresariais, agora fazem discursos enérgicos, usando a dor das famílias em nome de seus interesses pessoais.

Minha mãe costuma chorar pela manhã. É quando se lembra mais da Lina, ela me diz, sem saber o que vai ser da vida, agora que está sem sua amiga e companheira. Nestes dias frios e tristes no interior do Estado, cercados de gente religiosa, nos resta acreditar que de fato a Lina tinha uma missão, curta e intensa, de tornar pessoas melhores todos aqueles que conviveram com ela.

E também resta o consolo de que estas mortes sirvam, pelo menos, para que haja mais respeito pelas vidas, diariamente perdidas no Brasil.

Feliz aniversário, minha irmã.